sábado, 21 de novembro de 2009

Ótima produção do Torero

Dize-me quem escalas e te direi quem és

(A pedido do leitor Mauro Assis, coloco aqui um texto (do livro Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso) que tem a ver com o que foi publicado no último Sempre aos Domingos)

A seleção de cada torcedor funciona como uma espécie de espelho. Assim, se ele escolhe um meio-campo formado por Dunga, Galeano, Mauro Silva e César Sampaio, fica evidente que se trata de um precavido, talvez até de um covarde. Por outro lado, se propõe um ataque com Rivaldo, Ronaldinho e Romário, estamos na frente de um ousado, de um destemido. Se a linha é Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, falamos com um saudosista, e se a defesa conta com Carlos Alberto, Figueroa, Domingos da Guia e Nílton Santos, estamos ao lado de um amante dos clássicos.
Convencido de que escalar uma seleção seria a forma ideal de me apresentar ao leitor, pus o cérebro para trabalhar e escolhi meus onze jogadores preferidos:

Goleiro: Drummond. Um grande time começa por um grande goleiro. Drummond nasceu em Itabira, mas atuou longo tempo no Rio de Janeiro. Ele traz segurança e tranqüilidade para o resto da equipe. É elástico e seguro, dono de um estilo que marcou época e fez seguidores.
Lateral direito: Bandeira. O pernambucano merece a posição apesar dos problemas respiratórios. Lateral direito de inegável leveza, caracteriza-se por criar jogadas aparentemente simples, mas que só parecem tão simples porque ele faz um complexo trabalho para descomplicá-las.
Zagueiro central: Érico. Central tem que ser gaúcho. Érico, além de ter nascido em Cruz Alta, é um beque polivalente: joga com qualquer tempo – e vento. Pode atuar com aspereza e rudeza, ou sair jogando com maleabilidade e graça. Assim como outro central, Domingos da Guia, também possui um filho de inegável talento.
Quarto zagueiro: Nelson Rodrigues. Essa é uma posição onde é proibido ter falsos pudores; tem que se chutar a bola para a arquibancada e, se preciso for, deixar o inimigo estatelado no chão com fratura exposta. É o caso de Rodrigues, um jogador de moral polêmica. Alguns críticos mais ácidos dizem que ele cai muito pela direita, mas trata-se de um defeito menor que suas qualidades.
Lateral-esquerdo: Vieira. Começou a carreira timidamente, mas um dia teve um estalo e passou a jogar como que inspirado pela luz divina. Seu estilo é lógico, mas também grandiloqüente. Às vezes traça caminhos tortuosos, mas sempre chega ao seu objetivo. De todos os convocados é o único Atleta de Cristo.
Médio volante: Gregório. Um bom cabeça-de-área tem que saber xingar a mãe do adversário de doze formas diferentes. Gregório conhece 118. Não é à toa que o apelidaram de Boca do Inferno. Perguntado sobre as violentas faltas que comete, diz que são para a glória de Deus, pois, “quanto maior o meu pecar, maior a graça d’Ele em perdoar”. Não raro, elabora firulas e gongorismos que surpreendem a torcida.
Meia-direita: Mário. Um ponta-de-lança tem que ser ao mesmo tempo clássico e inovador. Mário consegue as duas coisas: sabe estudar o jogo e inventar lances com a mesma competência. Pode-se dizer que é um clássico de vanguarda.
Meia-esquerda: Machado. A nobre camisa dez não poderia ser vestida por outro. Excelente nos lançamentos em profundidade, é um especia¬lista nos dribles sutis e no toque refinado. Estranhamente, está sempre com um riso nos lábios. Não se sabe, contudo, se ri dos inimigos, de si mesmo ou do público.
Ponta-direita: Guimarães. É um inventor. Guimarães cria dribles e ziguezagueia pe¬los campos gerais como ninguém. Seus lances são inesperados, como se ele sempre tivesse que criar um caminho pró¬prio. Aprendeu tudo que sabe na várzea, mas seu jogo é universal.
Centroavante: Oswald. Um centroavante deve ser imprevisível, e imprevisibilidade é a única coisa previsível em Oswald. Seu jogo é feito de toques curtos e dribles em pequenos espaços. Tem um temperamento difícil e costuma polemizar com os adversários. É um típico rompedor.
Ponta-esquerda: Graciliano. Vindo de Quebrângulo, Alagoas, este extrema-esquerda é dono de um estilo duro, sisudo e seco. O torcedor sempre pode esperar dele um jogo consistente e seguro. Odeia concentrações e pretende escrever um livro de memórias conde¬nando essa prática.

Obs.: Obviamente esta seleção de imortais conta apenas com jogadores defuntos, o que deixou de fora vá¬rios nomes. Em meu banco de reservas estão Verissimo, Ubaldo, Millôr e Fonseca. São grandes atletas, mas desconfio que não têm muita pressa em entrar nesse time.

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